Visibilidade Trans: campanha UFSC Diversifica pede respeito no uso do nome social
Respeito, visibilidade, inclusão, dignidade, autonomia, igualdade: tudo isto pode começar pelo nome pelo qual uma pessoa é chamada e seu respectivo pronome. Discriminação, ódio, exclusão e outras formas de desrespeito podem ser provocadas pelo seu uso errado. Nesta semana, quando é lembrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans (29 de janeiro), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) inicia uma campanha para o fortalecimento do atendimento da norma que regulariza o uso do nome social na instituição, a primeira que usa a marca UFSC Diversifica.
A Portaria 59/CUn/2015 assegura, entre outras medidas, a possibilidade do uso do nome social para pessoas trans (travestis, transexuais e transgêneros – binárias ou não) em registros, documentos e atos da vida acadêmica, em qualquer nível de ensino ou atividade acadêmica. Nome social é o adotado pela pessoa, pelo qual se identifica e é identificada na comunidade, diferente do registro civil.
A solicitação de inclusão do nome social pode ocorrer a qualquer momento do ano letivo, e pode ser realizada até na inscrição para o Vestibular. O uso do nome social requerido constará em todos os registros, sistemas acadêmicos e documentos internos gerados pela Universidade, sem menção ao nome civil.
Até agora, a observação da portaria pela comunidade universitária é realizada com ressalvas, de acordo com quem optou pelo nome social. Manuela Moreira, 23 anos, estudante de Artes Cênicas aponta que entre os pontos positivos está a confiança gerada pela iniciativa. “É muito bom ter o nome correto na chamada. Já pude, até, usar a carteirinha da UFSC fora daqui, dá credibilidade em outros locais”, afirma ela. Entre os negativos, está a falta de conexão entre sistemas da UFSC. “Já cansei de ver meu nome ‘morto’ na entrada do RU e na Biblioteca. Já passei por situações constrangedoras”.
Primeira pessoa trans a assumir o cargo de docente na universidade, Ti Ochôa, 26 anos, professora substituta do Departamento de Metodologia de Ensino (MEN) que atua nos cursos de graduação em Pedagogia e Letras Inglês Licenciatura, concorda com Manuela. “Os sistemas não são inteligentes, não conversam entre si”, diz. Ela também ressalta a falta de capacitação obrigatória para docentes, técnicos-administrativos e terceirizados em relação a questões de diversidade de gênero, sexualidade e questões raciais. Ti participou como ministrante de um curso do Programa de Formação Continuada (Profor) sobre o tema. “Era opcional e tinha apenas quatro pessoas. E veja o número de docentes que a UFSC tem… Como a normativa do nome social é uma política da Universidade, deveria haver maior capacitação dos professores”.
Manuela exemplifica que houve pelo menos duas situações de transfobia com professores: nas duas havia a insistência em qualificar sua voz como “de homem” e numa delas, houve a separação da turma entre homens e mulheres, com a insistência em colocá-la na ala masculina. “Foram situações extremamente desconfortáveis e por e-mail, um professor disse que não tinha sido transfóbico, que eu havia me confundido”, expõe a aluna.
Formada em Artes Cênicas na UFSC e aguardando apenas o diploma para ingressar no Mestrado em Artes Cênicas da USP, Zara Dobura, 23 anos, conta histórias semelhantes a Manuela e Ti. Ela menciona que na UFSC, apesar de ser um espaço relativamente mais seguro para pessoas trans, também encontra situações de discriminação. “Aqui há o IEG (Instituto de Estudos de Gênero) e o NeTrans (Núcleo de Estudos e Pesquisas de Travestilidades, Transgeneridades e Transexualidades/CNPq), mas não consigo me sentir totalmente segura na UFSC, fora o CCS, CCE e CFH”. Zara lembra que já foi fotografada e exposta num grupo do Facebook, em situação desumanizada. No geral, como aponta Zara, a UFSC não deixa de ser um espaço no qual a transfobia estrutural e institucional se faz presente, mesmo que seja um local mais seguro se comparado a espaços fora da universidade em relação a agressões físicas. O uso errado do pronome, o nome morto, o silêncio das pessoas cis em casos de transfobia, a não-interligação dos sistemas da UFSC e a falta de capacitação da comunidade acadêmica são alguns exemplos.
Mais capacitação
Vindo do Chile e estudante de Letras Espanhol, Jenn Lopez, 40 anos, destaca a importância da portaria do nome social. “É uma garantia de direito e respeito de a gente ser chamado da forma como queremos ser vistos”, diz o aluno. Ele também reclama que em diversas situações os sistemas da UFSC ‘puxam’ o nome civil. “É uma necessidade avançar na questão do nome social. Alguns professores e técnicos poderiam receber mais capacitação, é uma obrigação da UFSC”, afirma.
Aluna de Serviço Social e suplente de deputada na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Mariana Franco, 33, é outra a realçar a importância do nome social, mas também relata a necessidade de capacitação a professores dentro do próprio curso. “O Serviço Social tem uma obrigação de tratar o bem-estar das pessoas e, até ali, há professores que desrespeitam a portaria”.
Cofundadora do NeTrans, a doutoranda em Educação Maria Zanela enfatiza que as principais dificuldades que as pessoas trans enfrentam no meio acadêmico são “ainda o tratamento pelo pronome compatível com o gênero no qual a pessoa se sente inserida (ele/ela); registros de certificados feitos pautados apenas no nome de registro para aqueles/as que não fizeram a retificação do nome e usam o nome social; desrespeito ao uso do nome social; a falta de políticas que ajudem na permanência das pessoas trans que ingressam via vestibular e/ou processos seletivos para pós-graduação; a falta de cotas na maioria dos cursos para pessoas trans; a falta de capacitação sobre a temática no ambiente acadêmico e atitudes transfóbicas por parte da comunidade acadêmica”.
Netrans
O Núcleo de Estudos e Pesquisas de Travestilidades, Transgeneridades e Transexualidades (NeTrans) é um grupo de pesquisa filiado ao Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da UFSC e inscrito no diretório de grupos de pesquisa do CNPq. Com pouco mais de um ano de existência, se dedicou a sua organização interna, participou de várias atividades, promoveu eventos como o primeiro seminário de pesquisadoras e pesquisadores trans da UFSC (I TRANSferidas) onde foram apresentadas as pesquisas de integrantes do grupo Maria Zanela informa que “ainda em 2019 já iniciamos nossa articulação com pesquisadoras/es internacionais, como a cientista social australiana Raewyn Connell e a bióloga colombiana Brigitte Baptiste, assim como com a psicanalista brasileira Letícia Lanz, pessoas trans de prestígio e renome. A partir de 2020 é que vamos consolidar a expansão e articulação com outras redes de pesquisadorxs da temática”.
Maria conta que o NeTrans mapeou 20 pesquisas na área (entre concluídas e andamento), na UFSC. Para 2020 a expectativa é expandir isto para o Brasil. “Um dos nossos objetivos é que pessoas que se reconhecem como travestis, transexuais e transgêneros não mais sejam apenas ‘objetos de estudo’, mas sujeitas/os políticas/os de suas próprias histórias e trajetórias, oportunizando a estas pessoas visibilidade, vez e voz”, explica a pesquisadora.
Em 2020, o NeTrans tem programados diversos eventos: a participação na programação do dia 8M, um Simpósio Temático durante a realização do Encontro Internacional Fazendo Gênero, a realização do II TRANSferidas e a ida de integrantes do grupo para o evento Mundo de Mulheres em Moçambique.
CDGEN
Responsável pela Coordenadoria de Diversidade Sexual e Enfrentamento de Violência de Gênero (CDGEN), Aurivar Fernandes Filho informa que atualmente são 30 pessoas que utilizam nome social na UFSC. Ele informou que o número deve ser atualizado no início do semestre, após as matrículas do Vestibular/Sisu. Ele também comenta que a Superintendência de Governança Eletrônica e Tecnologia da Informação e Comunicação (SeTic) fez um mutirão para estabelecer os locais onde os sistemas apresentam falhas e que agora estão em fase de resolução.
A Coordenadoria promove o projeto “CDGEN Cuida”, um local de escuta, acolhimento, apoio e denúncias nas questões relacionadas à transfobia nos espaços da universidade; e sofrimento psíquico relacionado à vivência de violências relacionadas à orientação sexual na comunidade universitária – individual e em grupos -, com atendimento psicológico e grupos reflexivos para a população alvo do projeto.
Caetano Machado/Jornalista da UFSC/Agecom
Via: https://diversifica.ufsc.br/2020/01/30/visibilidade-trans-campanha-ufsc-diversifica-pede-respeito-no-uso-do-nome-social/